Impacto da discriminação racial nos atendimentos médicos

A discriminação racial contra os negros mata de diversas formas. Recentemente a medicina vem mostrando de que maneira o racismo contribui para adoecer e elevar as taxas de mortalidade entre esses indivíduos. O assunto ganha cada vez mais destaque e atrai a mobilização de relevantes instituições mundiais.

A revista The Lancet publicou, em dezembro do ano passado, quatro artigos em que apresentou diferenças gritantes de indicadores de saúde entre brancos e negros. Meses antes foi a vez da Associação Americana do Coração atualizar a lista dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. A menção ao racismo entrou no documento pela primeira vez pelo peso que ele desempenha no aparecimento ou agravamento do estresse e da depressão, duas condições associadas ao aumento de risco para infarto e acidente vascular cerebral.

O gatilho para que o debate ganhasse urgência foram os números extraídos da pandemia de Covid-19. No Brasil, por exemplo, um recorte feito pela PUC do Rio de Janeiro mostrou que a infecção pelo novo coronavírus matou 55% dos negros contaminados em 2020. Entre os brancos, o índice foi de 38%. No mundo, o risco de morte foi de duas a quatro vezes maior para os não brancos. Na prática, isso se traduz em estragos de amplitudes, às vezes, nem sequer notadas. Como explicar que profissionais em formação — não apenas médicos, mas todos os envolvidos no cuidado de pacientes — raramente são informados sobre predisposições da população negra a determinadas doenças, como o câncer de próstata ou a hipertensão? Outros danos são bem mais evidentes e mais frequentes como a negligência no atendimento por conta da cor da pele e os obstáculos no acesso aos serviços, seja por ausência ou insuficiência de unidades nas áreas onde são maioria ou incapacidade financeira de bancar assistência à saúde privada.

Algumas mudanças estão a caminho, mesmo que sejam ainda incipientes. A revista científica Nature iniciou a divulgação de artigos sobre iniciativas para reduzir o racismo na saúde e trouxe, entre os primeiros textos, o trabalho da ginecologista Kecia Gaither. O programa com foco no rastreamento de enfermidades cardiovasculares em negras com vistas à redução da mortalidade materna é adotado no NYC Health + Hospitals/Lincoln, em Nova York, desde 2019. Seu efeito já pode ser observado: “Houve redução acentuada na incidência de mortes em comparação com o que vi em 2017”, escreveu Kecia.

Leia aqui a matéria publicada pela Veja.

Guia: Injustiça reprodutiva para meninas e mulheres negras

O guia “Cenário Brasileiro de Injustiça Reprodutiva para Meninas e Mulheres Negras – Guia para jornalistas e comunicadores”, produzido pelos coletivos Rede Feminista de Saúde, Portal Catarinas, Grupo Curumin, Instituto de Bioética e Direitos Humanos (Anis) e ONG Criola, reúne diversas pesquisas que revelam como a injustiça reprodutiva é ainda mais cruel para meninas e mulheres negras.

Dividido em duas partes, a primeira aborda os principais resultados dos estudos “Estupro presumido no Brasil: caracterização de meninas mães em um período de dez anos (2010-2019)”, publicado em 2021, e sua atualização “Estupro de Vulnerável: caracterização de meninas mães no ano de 2020 – Brasil e Regiões”, publicado em agosto de 2022, pela Rede Feminista de Saúde. Estes estudos apresentam os números e o perfil de meninas de 10 a 14 anos que pariram nos últimos 10 anos, sendo que entre 2010 e 2019 há detalhamento dos dados por estado e região brasileira.

O cenário brasileiro de injustiça reprodutiva para meninas e mulheres negras

Os dados são considerados alarmantes e mostram que em 2020, no Brasil, nasceram 48 bebês por dia de meninas com menos de 14 anos. E das 17.579 meninas de 10 a 14 anos que tiveram filhos em 2020, 75,6 % eram negras (pretas e pardas), percentual maior do que o evidenciado entre 2010-2019 (71,2%).

Na segunda parte do guia, são apresentados dados e análises contempladas pelo dossiê Mulheres e Justiça Reprodutiva (2020 – 2021). São destacados os dados oficiais quantitativos sobre a vida e direitos de mulheres e direitos de mulheres negras em contexto nacional em três dimensões: Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs); Direitos Sexuais e Reprodutivos; e dados de violações e violências contra mulheres negras. Segundo o estudo, as mulheres negras foram as maiores vítimas de estupro (57,28%) comparado às mulheres brancas (34,90%), de violência repetição (49,56% comparado a 43,73%), de violência física (51,42% comparado a 38,90%), violência psicológica e moral (54,39% comparado a 38,90) e violência sexual (56,21% comparado a 35,67%).

Os resultados encontrados no guia demonstram a importância de se tratar a gravidez infantil e a violência contra meninas e mulheres, especialmente, as negras, como temas de saúde pública e também considerar o impacto social gerado.

Quer saber mais? Leia a matéria completa aqui e baixe o guia aqui.

Pele negra em jalecos brancos: relatos sobre racismo na medicina

Como o racismo se manifesta na prática de estudantes e profissionais de saúde? Esse foi o tema de pesquisa da antropóloga Rosana de Castro relata no artigo Pele negra, jalecos brancos: racismo, cor(po) e (est)ética no trabalho de campo antropológico, publicado na Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo. A autora relata as experiências e as reflexões por elas suscitadas a partir de sua pesquisa de campo para o doutorado, realizada em um centro médico de pesquisa. O trabalho foi destaque no Jornal da USP.

O título do artigo refere-se ao fato da pesquisadora ser negra e precisar usar jaleco branco para a realização da pesquisa, cujo objetivo era investigar as relações do local, tais como as entre médicos e pacientes, enfermeiros e funcionários. No entanto, o uso do jaleco a colocou em situações que a fizeram perceber como o racismo de gênero afetou o seu trabalho, tendo em vista que se encontrava em um contexto no qual “a branquidade é normalizada”. Exemplo disso foi ser confundida com uma recepcionista ou uma enfermeira, e não como uma médica, num espaço onde as médicas são majoritariamente brancas.

O artigo aborda a questão do uso do jaleco pela pesquisadora no consultório ligada a um contexto sexual por médicas e pacientes relacionado à cor da pele, em uma clara conjuntura de racismo de gênero. (…) Mesmo portando uma segunda pele – o jaleco branco – por cima de sua pele negra, a autora nunca foi chamada de doutora ou participou de discussões sobre casos clínicos no centro clínico.

A partir desse cenário, então, ela faz questionamentos a respeito da pesquisa farmacêutica, da medicina e da Antropologia. Indaga ainda se as políticas de cotas raciais implementadas nas universidades federais e estaduais permitiram o aumento do número de médicos negros, já que os brancos, que são parte das classes mais privilegiadas economicamente, continuam sendo a maioria nos cursos de graduação medicina, como também de antropologia.

Por que os brancos precisam ser antirracistas?

Brasileiros devem entender que não existe democracia com racismo, afirma antropóloga, historiadora e professora da USP Lilia Schwarcz à luz dos debates após o assassinato de George Floyd nos EUA, em reportagem publicada pela Folha de São Paulo.

No mundo todo estão ocorrendo manifestações democráticas contra o racismo. Falta para uma parcela dos brasileiros o entendimento que não existe democracia com racismo, quando ainda sobressai o discurso meritocrático de universalidade sem levar em consideração a realidade majoritariamente branca e europeia em que foi construído.

“O racismo não é um problema exclusivamente dos negros – faz parte de uma agenda republicana brasileira. Perpetuando continuamente a discriminação, as elites brancas brasileiras se equilibram entre a cegueira social e uma forma de amnésia coletiva.” diz Lilia Schwarcz.

Hoje, os brasileiros até admitem que há racismo no país, mas ninguém admite ser racista ou conivente com uma estrutura que sistematicamente discrimina negros e negras em todas áreas sociais. De tão naturalizado, há ainda quem finja não enxergar esse sistema persistente de subordinação. O combate ao racismo exige também um reconhecimento dos privilégios da branquitude como primeiro passo para se aliarem na luta antirracista.


Leia o texto completo aqui

Veja também, Lilia Schwarcz entrevista o ativista e educador Douglas Belchior

 

Fogo no pavio: a ação brutal da polícia contra negros nos EUA leva milhares às ruas

Em reação à brutalidade da polícia contra as minorias raciais, milhares de pessoas estão indo às ruas em protestos nos Estados Unidos. A violência polícia sistemática contra negros voltou a mobilizar a população depois da repercussão da morte de George Floyd.

Na noite de 25 de maio, o homem, que tinha 46 anos e trabalhava como segurança em um restaurante em Minneapolis, foi abordado por policiais que responderam a uma chamada de suspeita de uso de documentos falsificados. Enquanto o Departamento de Polícia de Minneapolis disse que o segurança estava sentado em cima de um carro e resistiu à prisão, imagens das câmeras de segurança próxima ao local da prisão mostraram outra realidade: Floyd foi conduzido, algemado, pelos policiais sem oferecer qualquer tipo de resistência.

Embora seja possível ouvir o apelo das pessoas para que o agente imobilizando Floyd no chão parasse, inclusive informando que o nariz da vítima sangrava, e o próprio apelo do próprio George repetindo incessantemente que não conseguia respirar nos 10 minutos do vídeo registrado por uma pessoa que passava na hora do ocorrido, nada acontece até que ele para de se mexer e fica em silêncio, antes de ser colocado em uma maca e levado em uma ambulância.

Leia a reportagem sobre o caso de Floyd na Folha de São Paulo.

Conheça mais sobre o caso e outras 11 mortes que provocaram os protestos nos EUA em matéria publicada na BBC.

Saiba como ajudar a causa, acesse a lista de petições que você pode assinar