A fome no Brasil e no Mundo segundo a FAO

1 em cada 3 brasileiros não teve o que comer nos últimos dois anos.

Uma em cada três pessoas passou fome no Brasil no período de 2020 a 2022. Foram 70 milhões de pessoas, segundo o relatório “O Estado da segurança alimentar e nutricional no mundo” (SOFI, pela sigla em inglês), uma produção conjunta da FAO, Fida, PMA, OMS e Unicef.  Um aumento de 14,6% em relação ao levantamento anterior.

O documento alerta que a meta de acabar com a fome em 2030 não será alcançada se não redobrarem os esforços globais para combater o problema.

“A proporção da população brasileira em insegurança alimentar grave ou moderada atingiu o recorde 32,8% no triênio da pandemia 2020/22, afetando um contingente estimado em mais de 70 milhões de pessoas, praticamente um de cada três brasileiros. Isso representou um aumento de quase 60% em relação ao triênio pré-pandemia de 2017-19”, analisa José Graziano no artigo publicado no jornal Valor, A fome continuou a aumentar em 2022, segundo a FAO.

Os dados da fome no Brasil são tão impactantes que o SOFI-2023 mostra também a América do Sul – considerada o celeiro do mundo – como uma das regiões com maiores níveis de insegurança alimentar grave e moderada: quase 40%, valor inferior apenas ao da África onde essa proporção infelizmente passa dos 60%.

Esse crescimento contínuo da insegurança alimentar moderada e grave no Brasil vai na contramão das tendências verificadas para grande parte do restante do mundo.

O relatório destaca o processo de urbanização como um fator relevante para a análise do fenômeno da fome e também aponta o alto custo para justificar a falta de acesso a dieta saudável para grande parte da população mundial

‘Dados são preocupantes, mas não surpreendem’, diz Francisco Menezes, ex-presidente do Consea e consultor da ActionAid, organização não governamental internacional. Ele ressalta importância das reformulações feitas no Bolsa Família e defende outras medidas estruturantes para reverter cenário de fome.

São preocupantes em inúmeros aspectos, especialmente porque mostram que a desnutrição está atingindo sobretudo mulheres e crianças, o que, além de ser extremamente lamentável, também aponta enormes impactos para gerações futuras em aspectos talvez irreversíveis, como as questões cognitivas, por exemplo.

Leia a reportagem publicada no Valor em 13 de julho de 2023.

Leia o relatório em inglês The state of food security and nutrition in the world: urbanization, agrifood systems, transformation and healthy diets acroos rural-urban continuum – 2023

Leia o relatório em inglês sobre a América Latina e Caribe

Sumário executivo

Este ano, a atualização da avaliação global da segurança alimentar e nutricional reflete um momento particular na história. Enquanto a pandemia, a subsequente recuperação econômica, a guerra na Ucrânia e o aumento dos preços dos alimentos, insumos agrícolas e energia tiveram impactos diferentes em diferentes regiões, novas estimativas indicam que a fome não está mais aumentando globalmente, mas ainda está muito acima dos níveis anteriores à pandemia da COVID-19 e longe de alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2.

Como edições anteriores deste relatório enfatizaram, a intensificação dos principais impulsionadores da insegurança alimentar e da desnutrição – conflitos, extremos climáticos, desaceleração e recessão econômica e crescente desigualdade – muitas vezes ocorrendo em combinação, está desafiando nossos esforços para alcançar os ODS. Não há dúvida de que essas ameaças continuarão, exigindo que permaneçamos firmes na construção de resiliência contra elas. No entanto, ainda existem importantes megatendências que devem ser plenamente compreendidas ao desenvolver políticas para atingir as metas do ODS 2.

Uma dessas megatendências, e o foco do relatório deste ano, é a urbanização. À medida que a urbanização aumenta, as áreas rurais e urbanas estão se tornando mais interligadas, e a distinção espacial entre elas está se tornando mais fluida. O padrão em mudança das aglomerações populacionais ao longo deste continuum rural-urbano está impulsionando mudanças em todo o sistema agroalimentar, criando desafios e oportunidades para garantir que todos tenham acesso a dietas saudáveis e acessíveis.

Após apresentar as últimas atualizações da situação de segurança alimentar e nutrição em todo o mundo, o relatório examina os impulsionadores, padrões e dinâmicas da urbanização por meio de uma lente do continuum rural-urbano e apresenta novas análises sobre como a urbanização está mudando o fornecimento e a demanda de alimentos ao longo desse continuum. Complementando isso, análises adicionais para países selecionados exploram diferenças no custo e acessibilidade de uma dieta saudável, bem como a insegurança alimentar e diferentes formas de desnutrição ao longo do continuum rural-urbano.

Com base nessas informações, o relatório identifica políticas, investimentos e novas tecnologias para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a urbanização traz para garantir o acesso a dietas saudáveis e acessíveis para todos, ao longo do continuum rural-urbano.

Custo e acessibilidade de uma dieta saudável

A análise revisada apresentada no relatório deste ano mostra que quase 3,2 bilhões de pessoas em todo o mundo não puderam pagar por uma dieta saudável em 2020, havendo uma leve melhora em 2021 (uma diminuição de 52 milhões de pessoas). O custo de uma dieta saudável aumentou globalmente em 6,7 por cento entre 2019 e 2021, com um aumento notável de 4,3 por cento apenas em 2021. O custo aumentou mais de 5 por cento entre 2020 e 2021 na África, Ásia, América Latina e Caribe e Oceania, mas apenas marginalmente na América do Norte e Europa. (…)

No rastro da Covid-19: a fome

Um dos aspectos destacados no Relatório II VIGISAN foi a relação entre a fome e pandemia de Covid-19 que ocorreu principalmente do final de 2020 até início de 2022.

A covid-19 trouxe muitos impactos negativos na população brasileira, como o aumento da taxa de desemprego e fome, intensificando a insegurança alimentar no pais. De acordo com o relatório, 30% da população em segurança alimentar precisou recorrer a reservas financeiras no ano de 2021, enquanto 49% e 43% nas moradias em estado de insegurança grave ocorreram o endividamento dos moradores e corte em despesas essenciais, respectivamente.

A análise mostra como 28,3% da população não conseguia realizar 3 refeições diárias, demonstrando a alta prevalência de insegurança alimentar considerada moderada. Além disso, 8,2% dos domicílios avaliados, relataram passar por situações de constrangimento para conseguir alimentos. Dos domicílios em insegurança alimentar grave, 55,2% possuem pelo menos uma pessoa que teve que pausar os estudos.

Isso demonstra como a interligação da situação econômica com segurança alimentar, as atividades laborais e o acesso à educação. Assim, ressalta-se a necessidade de que questões socioeconômicas, como a vivenciada com a pandemia de COVID-19, sendo um problema multifatorial deve ser visto através de olhares holísticos, sobretudo pelo setor público, a fim de minimizar os impactos negativos através da promoção de políticas públicas na garantia da seguridade e entender toda a situação, a qual o indivíduo está inserido.

Para ler o relatório na íntegra, clique aqui.

A volta da fome como retrocesso

Desde 2018, o país voltou ao Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação da Agricultura). Em 2020, registrou 55,2% da população convivendo com a insegurança alimentar, segundo pesquisa da Rede Penssan.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o economista Walter Belik, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, defende que o governo Bolsonaro conduz uma política deliberada de desmonte das iniciativas de proteção social.

Infográfico Folha de São Paulo

Belik relembra a criação do Fome Zero como um projeto pluripartidário, substituído pelo Bolsa Família, que reuniu iniciativas que pavimentaram a saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014.

Já no ano seguinte, o fantasma da fome já voltava a assombrar a parcela mais pobre da população brasileira: a escalada inflacionária, a ausência de recomposição do valor de benefícios sociais e um desmonte das políticas de segurança alimentar.

A lista é extensa. O Bolsa Família, desidratado, passou de um programa de transferência de renda com condicionalidades para um de doação. Com o Auxílio Brasil, a ideia de proteção e assistência social dessas famílias foi escanteada.

O Pronaf [Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar] foi desidratado e os valores cortados em 35%. O programa de reforma agrária, a Secretaria de Agricultura Familiar, o programa de estoques de regulação da Conab e o programa de cisternas, todos foram descontinuados.

O PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], que priorizava a compra de alimentos de agricultura familiar para doações ou alimentação escolar e chegou a comprar quase R$ 1 bilhão, garantindo renda para os pequenos produtores, acabou.

O programa de banco de alimentos virou o “Comida no Prato”, assistencialista e criado pelo governo para faturar em cima do trabalho feito há duas décadas pelos bancos de alimentos do Brasil, organizados pela sociedade civil, basicamente. O programa de restaurantes populares foi descontinuado, e hoje vivemos um congestionamento nos restaurantes populares de R$ 1, graças à perda de renda da população. O programa de cozinhas comunitárias acabou.

Agora, o governo quer mexer no PAT [Programa de Alimentação do Trabalhador] e reduzir a isenção fiscal das empresas que promovem o vale-alimentação ou tem restaurante na empresa. Todos os programas de abastecimento, como modernização ou mesmo privatização das Ceasas, também acabaram. Elas se tornaram obsoletas, mas têm papel importantíssimo no abastecimento urbano.

Leia a entrevista completa aqui

Veja também:

Fome e insegurança alimentar: um fantasma ronda o Brasil

fome

Três anos após a ONU retirar o Brasil do mapa mundial da fome, um relatório alerta que o cenário no país é preocupante e que o mesmo está sofrendo um revés na conquista anteriormente obtida. Essa situação é lamentável para um país que trilhava tantos avanços na diminuição da fome da população.

Quando o país atingiu um índice pleno de emprego, mesmo os que estavam em situação de pobreza conseguiam ter acesso à alimentação, pois passaram a ter acesso a empregos formais e informais. A recessão no Brasil fez com que houvesse um aumento no desemprego, deixando 14 bilhões de desempregados.

Agravando ainda mais a situação, começou a ocorrer no início do ano passado a exclusão de famílias do Programa Bolsa Família e a redução do valor investido no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). A perda de emprego com carteira assinada ou outra fonte de renda levou ao cotidiano de muitas famílias a insegurança alimentar, principalmente em lares chefiados por mulheres. A maioria da população que está nessa situação acaba não conseguindo comprar nem o básico para se alimentar, muitas vezes dependendo de ajuda de terceiros, o que afeta sua saúde física e mental.

No ano passado, o presidente Michel Temer determinou um “pente fino” nos beneficiários do Programa Bolsa Família, com o intuito de identificar pessoas que declaravam renda inferior a que recebiam. Entretanto, ao cruzar os dados, foi encontrado 1,5 milhão de famílias que tinham renda menor que a declarada e, por isso, teriam direito a benefícios maiores que os já recebidos. O governo não conseguiu arcar com os custos e o reajuste prometido foi suspenso no fim de junho por falta de recursos.

Acredita-se que, devido à instabilidade financeira que atingiu diversas famílias, o número de lares brasileiros que vivem em insegurança alimentar grave irá aumentar. De acordo com o IBGE, a proporção de domicílios que viviam nessa condição reduziu a metade entre 2004 e 2013, de 6,5% para 3,2%. Novos dados referentes aos anos de 2017 e 2018 serão divulgados daqui a dois anos pelo Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ, após a conclusão da Pesquisa de Orçamentos Familiares para esse período.

Saiba mais em: https://oglobo.globo.com/economia/marcas-da-fome-21566526